Turner desativa canais Esporte Interativo; marca será apenas digital
A Turner vai desativar os canais Esporte Interativo, atualmente distribuídos por praticamente todas as operadoras de TV paga e responsável pelos direitos de eventos importantes, como a Champions League e de parte dos jogos do Campeonato Brasileiro a partir de 2019. Alguns destes direitos (especificamente a Champions e o Brasileirão) serão exibidos nos canais TNT e Space, pertencentes à programadora, no modelo de "superstation". Ou seja, os canais não serão dedicados apenas aos conteúdos esportivos, mesclando a partir de agora a programação variada de séries, eventos e filmes já existentes com os conteúdos de esportes. Também será descontinuada a programação do canal do Esporte Interativo hoje distribuída na banda C do satélite, de forma aberta, além do Esporte Interativo BR, transmitido em canais de TV aberta em Cuiabá e mais três localidades no interior de São Paulo, Maranhão e Espírito Santo. As mudanças, contudo, não significam o fim da marca Esporte Interativo, que será mantida e ampliada nas plataformas digitais e no EI Plus, plataforma OTT do canal, bem como nas transmissões nos outros canais.
A mudança, contudo, implicará um forte enxugamento na equipe. Hoje com cerca de 300 colaboradores, apenas cerca de 120 profissionais deverão ser mantidos para os produtos digitais e para as transmissões no modelo superstation. Os funcionários foram informados da mudança nesta quinta, 9, praticamente ao mesmo tempo em que as operadoras que distribuem os canais e os principais anunciantes foram avisados. Alguns colaboradores ainda podem ser aproveitados nos outros canais da Turner. Para tentar minimizar o impacto de uma medida tão drástica para um contingente tão grande de pessoas (muitas estavam no Esporte Interativo desde a sua origem) a Turner estaria oferecendo um pacote de saída mais amplo do que o normalmente é oferecido nestas situações, segundo apurou este noticiário.
Desligamento
Os dois canais lineares do Esporte Interativo hoje no lineup das operadoras começam a exibir programação em loop (repetição de material de arquivo) a partir do anúncio oficial do fim dos canais e deverão permanecer assim por cerca de um mês, quando saem definitivamente do ar. Durante o período, as mudanças serão comunicados aos assinantes.
O modelo que está sendo implementado é semelhante ao praticado pela Turner nos EUA, onde a empresa tem forte atuação em esportes, mas sem um canal dedicado, e sim distribuindo os eventos em canais e horários específicos. A Turner é sócia do Esporte Interativo desde 2013, quando adquiriu 20%, em um investimento estimado na época em R$ 80 milhões, e assumiu definitivamente o controle em 2015, numa operação estimada, na ocasião, em cerca de US$ 150 milhões, ou R$ 400 milhões (valor nunca confirmado oficialmente). O valor estimado cobria a compra do restante do share da empresa (R$ 250 milhões), bem como investimentos em infraestrutura, pessoal e novos direitos.
Nos últimos dois anos o canal fez fortes investimentos em direitos, especialmente no Campeonato Brasileiro, onde assinou com 17 times (nem todos estão hoje na série A), por seis anos, a partir de 2019, acordos que chegam a R$ 1 bilhão ao longo de todo o período. Há cerca de um mês a empresa fez um novo lance para assegurar a transmissão da Champions League para os próximos anos.
Este noticiário conversou com Antônio Barreto, gerente geral da Turner para o Brasil, que explicou que a mudança de estratégia se deveu a uma conjunção de fatores. "Infelizmente, o mercado brasileiro de TV por assinatura tem perdido base nos últimos três anos e os sinais de recuperação ainda são tímidos. Some-se a isso o elevado custo dos direitos esportivos, a forte retração no mercado publicitário e o custo de manter dois canais no ar. Avaliamos que esse era o melhor momento de fazer a mudança, reduzir os custos e a adotar uma nova abordagem na exibição dos eventos", diz. Na avaliação do executivo, os eventos como Champions e Brasileiro terão um alcance ainda maior, pois a base de distribuição do TNT (14 milhões de assinantes) e do Space (12 milhões) é bem maior do que a dos canais Esporte Interativo, que entraram nas principais plataformas de TV paga há apenas três anos, e em pacotes mais caros. Space e TNT estão praticamente em todos os pacotes básicos. "Também pretendemos fortalecer e ampliar muito o EI Plus e os canais digitais, que são o DNA do Esporte Interativo. Hoje geramos nesse ambiente uma interação que nenhum outro canal brasileiro tem. Avaliamos que esse produto precisava se desenvolver de maneira autônoma, sem a amarra de um canal tradicional".
Mau negócio?
Perguntado se o investimento em esportes foi um equívoco da Turner, Barreto diz que esta estratégia se mantém e será ampliada, mas será feita de outra forma. "Não se mostrou justificável ter dois canais específicos para isso, se podemos fazer melhor e com mais economia de outra forma, como fazemos nos EUA".
Um bom exemplo do que irá acontecer poderá ser visto com a exibição da Champions League. A empresa levou recentemente os direitos para TV paga por um valor não revelado, enquanto o Facebook levou os direitos que seriam para a TV aberta. O que pouca gente sabe é que Facebook e Turner estão atuando em conjunto. Os jogos com direitos adquiridos para TV paga serão exibidos pela Turner no TNT e Space, e o conteúdo do Facebook será exibido por meio da página do Esporte Interativo na plataforma digital. Ou seja, a marca Esporte Interativo estará presente nas transmissões do Facebook. "Em vez de focar em ter um canal, vamos nos focar nos eventos que sejam mais interessantes", diz Barreto. Hoje o Esporte Interativo tem 21 milhões de seguidores nas redes sociais e gerou, durante a Copa, 145 milhões de interações, mesmo sem ter o direito a nenhum conteúdo da Copa do Mundo.
Baixas
O processo de transição deve gerar pelo menos uma grande perda para os assinantes, contudo: a Copa do Nordeste, que hoje tem uma audiência relevante e bastante engajada. Barreto explica que estes conteúdos não deverão ser exibidos no TNT e no Space, mas a parceria de licenciamento com o SBT tem sido bastante exitosa, diz ele, que acredita já ter encontrado um modelo de exibição dos jogos até o início da competição. O Esporte Interativo ainda tem os direitos da série C de futebol e o campeonato de aspirantes da CBF, que também precisarão encontrar um destino.
A Turner não está, até aqui, abrindo mão de nenhum dos direitos do Esporte Interativo, mas buscará outras formas de distribuí-los. Segundo Barreto, no longo prazo pode-se pensar em um modelo de distribuição do EI Plus diretamente ao consumidor no modelo de assinaturas, mas isso não está nos planos imediatos. "Preferimos estar nas plataformas digitais e deixar que as operadoras vendam o EI Plus".
A mudança também terá impactos para os operadores que hoje distribuem o Esporte Interativo. A primeira delas é que, deixando de existir, os canais liberarão espaço no line up das operadoras. Por outro lado, a Turner pretende incluir nos valores negociados do TNT e do Space o custo desse conteúdo esportivo adicional. As operadoras que não se interessarem por estes conteúdos distribuirão uma versão dos dois canais sem as janelas de esporte na programação. A expectativa da Turner é que além dos jogos em si, sejam exibidos programas esportivos pelo menos duas vezes por dia nos canais como forma de gerar engajamento de audiência. Isso pode ser ampliado nos períodos dos grandes eventos, como nas semanas de jogos da Champions (são seis semanas ao longo do ano, com um total de 138 partidas).
Sobre o Campeonato Brasileiro, a Turner tem os direitos negociados com 17 times, e a estimativa é de que cerca de sete fiquem na série A por ano, em média. Outros times celebraram acordo com a Globo. Turner e Globo precisarão, portanto, se acertar porque no caso de jogos entre times que têm contratos com cada uma das programadoras, se as duas empresas não concordarem, os jogos não poderão ser exibidos. As negociações nesse sentido existem e estão avançadas, mas Barreto não dá detalhes.
Ajuda a fusão?
Barreto tampouco faz comentário sobre as possíveis implicações da mudança de estratégia da Turner com o Esporte Interativo no processo de aprovação da fusão entre AT&T e Time Warner no Brasil. Sobre isso, ele afirma apenas que a empresa está colaborando com as autoridades no que for necessário, e nada mais.
Como se sabe, a Turner é controlada pela Time Warner (agora chamada de WarnerMedia), que foi adquirida pela AT&T. A AT&T, por sua vez, é a acionista controladora da Sky no Brasil, por meio da DirecTV. A legislação brasileira (Lei 12.485/2011) impede que empresas de telecomunicações controlem empresas de conteúdo (artigo 5) ou detenham direitos e talentos brasileiros (artigo 6). Estas limitações estão sendo analisadas pela Anatel e Ancine e podem se tornar um problema para a AT&T. Na semana passada, durante o PAYTV Forum, evento realizado por este noticiário para o mercado de TV paga, o deputy general counsel da DirecTV, Michael Hartman, afirmou que a AT&T poderia reavaliar sua atuação na questão dos talentos e direitos para facilitar a aprovação da fusão no Brasil.
A mudança anunciada pela Turner na atuação do Esporte Interativo pode ser esta tal "reavaliação" referida pelo executivo, mas o fato de a programadora manter os direitos como os do Campeonato Brasileiro ainda pode gerar questionamentos legais. Ficaria, contudo, mais fácil de ajustar, caso a Turner seja obrigada a abrir mão do controle sobre estes direitos, repassando-os a terceiros e se tornando apenas consumidora do conteúdo, e não proprietária, por exemplo.
Outro fator que pesou na decisão de acabar com os canais lineares do Esporte Interativo foi o custo galopante de direitos esportivos somado à baixa capacidade do mercado publicitário de pagar a conta. "Manter um canal exige que você tenha direitos e programas para preencher a grade 24 horas por dia. Agora, vamos trabalhar evento a evento, exibindo só o que fizer sentido econômico e para a audiência", diz Barreto.
Concentração
O fim dos canais Esporte Interativo, obviamente, concentra o mercado de canais de esporte, o que tem implicações para clubes, ligas e outros detentores de direitos. Hoje, por exemplo, campeonatos importantes como o Italiano e Francês estão sem perspectiva de distribuição na TV paga devido aos valores pedidos, considerados irreais para o mercado brasileiro. Em breve, caso seja aprovada pelo Cade, a fusão entre Disney (controladora da ESPN) e Fox (controladora do Fox Sports) pode gerar um novo processo de concentração, em um mercado que ainda é disputado pelo SporTV e BandSports.
A revisão de estratégia da Turner não deixa de ser um grave sinal de alerta sobre as dificuldades que o mercado tem encontrado de viabilizar canais de alto custo, como era o caso do Esporte Interativo. Custos elevados, dificuldade de celebrar bons acordos com as operadoras, retração da base de assinantes e do mercado publicitário estão entre os muitos desafios da indústria, mesmo para o segmento esportivo, onde há um forte apelo de audiência e engajamento do público.
Fonte: Tela Viva